Sentença mergulha no sistema judiciário: “Fiquei preocupada”, diz Camila Morgado

Créditos da imagem: Camila Morgado em cena de Sentença, da Amazon (Divulgação)

Séries e TV

Entrevista

Sentença mergulha no sistema judiciário: “Fiquei preocupada”, diz Camila Morgado

Afetados pela injustiça, personagens da série são tirados do dia a dia brasileiro

Omelete
5 min de leitura
15.04.2022, às 06H00.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H46

Apesar de ser uma série ficcional, Sentença é populada por personagens que podemos encontrar na rua ou no ônibus a qualquer momento”, como define a atriz Lena Roque ao Omelete. A produção do Amazon Prime Video trafega por tipos tão comuns do sistema judiciário brasileiro (e dos filmes e séries do gênero) que são quase arquétipos: de Heloísa (Camila Morgado), a advogada de defesa sobrecarregada, mas motivada por forte senso de justiça; a Dinorah (Roque), a trabalhadora da periferia acusada de matar um policial no meio de uma ação violenta na comunidade em que mora.

Para encarar esses e outros papéis, o elenco mergulhou em pesquisa sobre os sistemas criminais brasileiros - e as falhas flagrantes deles, é claro. “Conforme ia me preparando para essa série, começava a me preocupar muito mais com essa questão”, confessa Camila ao Omelete. “Esse é um sistema em que a gente vive diariamente, e ele trabalha muito mais a punição do que a recuperação. Não temos uma justiça restaurativa. De 10 presos no Brasil, 7 são negros. As prisões estão em degradação, são quase uma tortura”.

Lena Roque em cena de Sentença, da Amazon (Divulgação)

Fernando Alves Pinto, que interpreta o promotor Pedro (marido de Heloísa) na série, define as cadeias brasileiras como pós-graduação do crime”: O cara é preso, sei lá, por pescar no lugar errado, e sai de lá um bandido. E quem sente isso na pele durante a série é Dinorah, que aguarda julgamento em uma penitenciária feminina e precisa encarar uma realidade violenta lá dentro - cenas para as quais, como apontou Lena Roque, é impossível se preparar adequadamente.

Por mais que a gente se prepare, teoricamente, chegando lá no ‘vamo ver’ parece que não nos preparamos para nada. Tem um elemento surpresa no set de filmagens que é fundamental, e isso aconteceu muito em Sentença para mim”, comenta. “É óbvio que eu tive muita ajuda durante as gravações, enquanto a Dinorah faz o percurso dela solitária. [...] E essa solidão dela é uma solidão que a maioria das mulheres negras vivem, então para mim ela é arquetípica - ela é a primeira mulher, a grande mulher, não menos do que isso. Ela não é uma coitadinha, injustiçada, porque eu não gostaria que me vissem assim. Quero dar a ela a grandeza e dignidade que ela merece”.

Amor e poder

Outra narrativa recorrente que a série aborda é a do líder de facção criminosa, Zeca (Rui Ricardo Diaz), que comanda seu império de dentro da prisão… com a ajuda importante da esposa, Moira (Heloísa Jorge), também sua advogada. Os atores contaram ao Omelete que essa relação não é um chavão só da ficção criminal, mas também do mundo real.

A verdade é que é mais comum do que a gente imagina uma advogada ou defensora pública defender o seu parceiro. Eu imaginei que tivesse algum impedimento legal, mas não”, comenta Heloísa. “São histórias reais nesse universo do crime organizado, então o que eu me preocupei foi em trazer honestidade para essa relação, mostrar que é um casal como outro qualquer”.

Sentença é ousada em mostrar Zeca e Moira como uma dupla dinâmica não só nos negócios, mas também no amor e no cuidado com a família - eles são pais de duas filhas. “Quando a gente fala do amor entre eles, as pessoas duvidam: ‘Ah, se amam, mas estão atrás de poder’. E sim, se amam e estão atrás de poder! Como é natural do ser humano no geral”, aponta Rui.

Rui Ricardo Diaz em cena de Sentença, da Amazon (Divulgação)

Não é a única relação afetiva emaranhada nas idas e vindas do sistema judiciário que Sentença apresenta - a protagonista Heloísa e seu marido promotor também se veem entre a defesa e o ataque”, como define Fernando. “Nós conversamos com muitos advogados, e ficamos sabendo que o casal da série é realmente atípico. Dá a impressão que não daria muito certo, e parece que não dá mesmo”, brinca o ator.

Na série, esse casal dá um tempero interessante, porque os dois estão envolvidos com essa parte apodrecida do nosso sistema, e isso é contagioso, mexe com a cabeça de quem trabalha ali. Ter dois personagens que vivem nesse universo… eles não podem ser pessoas normais, o que é muito mais interessante de se assistir”, completa.

Visão latina

Heloísa Jorge em cena de Sentença, da Amazon (Divulgação)

Um detalhe de Sentença que talvez passe despercebido por quem não conhece os bastidores da produção é que, embora se passe nos fóruns, prisões, escritórios de advocacia, favelas e bairros nobres de São Paulo, ela foi totalmente filmada… em Montevidéu, no Uruguai. Foi uma solução que a equipe encontrou para trabalhar com um pouco mais de segurança durante o auge da pandemia - mas isso também apresentou um desafio às diretoras, a brasileira Marina Meliande e a argentina Anahí Berneri.

Além de adaptar todas as locações, nos baseando em lugares reais de São Paulo, tivemos a preocupação de reproduzir todos os gestos, protocolos e procedimentos da Justiça brasileira”, aponta Marina. “Porque esse é um universo que vemos muito pouco - vemos muitas séries e filmes de tribunal americanas, mas muita gente não sabe como isso se dá no Brasil. Não são os mesmos espaços, as mesmas regras e as mesmas formas de agir”.

Cena de Sentença, da Amazon (Divulgação)

Anahí acrescenta que, para ela, a experiência de comparação com o sistema argentino foi curiosa: “A criadora da série, Paula Knudsen, pesquisou muito mais que todas nós sobre o sistema judiciário e penitenciário brasileiro. [...] Pessoalmente, o que eu notei foi que as falhas do sistema brasileiro são muito parecidas com as falhas que encontramos no meu país. Por isso, acho que Sentença é uma série que será bem-vinda em diferentes lugares do mundo - são temas universais”.

Como nota Camila Morgado, é impossível ver as rachaduras do sistema judiciário brasileiro e não pensar em toda a estrutura social que o criou: “Enquanto a gente vir a desigualdade social imensa que vemos no Brasil, vamos continuar tendo um sistema muito ruim. [...] Agora, como cidadã, eu passei a me perguntar: como melhorar, como sair disso? É uma pergunta que temos que fazer para toda a sociedade, sobre como trabalhar os direitos humanos sabendo que a gente vive em um sistema como esse”.

Sentença estreia no Amazon Prime Video nesta sexta-feira (15).

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