No ano de 2010, o diretor e roteirista David Michôd deixou a crítica cinematográfica do mundo todo aos seus pés ao lançar seu primeiro filme, o intenso e controverso Animal Kingdom. O filme, que venceu prêmio do júri do Festival de Cinema de Sundance, surpreendeu o público com uma história minimalista e brutal sobre como as famílias podem ser apodrecidas por um legado criminoso, regado de sangue e drogas, liderado por um homem frio e cruel que é ironicamente chamado de “Papa”.
Com uma coleção de prêmios e uma premissa muito acessível, logo foi anunciado como oAnimal Kingdom frutificaria na televisão, numa adaptação feita por Jonathan Lisco e produzida pelo próprio criador do universo. Michôd se juntou à produtora principal Liz Watts e juntos, eles começaram a arriscar uma transposição para a TV que tanto poderia funcionar, como poderia arranhar a preciosa reputação do longa. O projeto foi comprado pela TNT, que no final do ano passado encomendou uma primeira temporada completa, de 10 episódios, e que estreou oficialmente no último dia 07 de Junho.
Welcome to the Jungle
Animal Kingdom começa quando a mãe do jovem Josh (Finn Cole) morre de uma overdose galopante e deixa-o aos cuidados da vó materna, que há anos não via o menino. Josh sempre soube que havia alguma coisa de errada com sua família. Ao chegar na casa da avó, Josh logo percebe as razões pelas quais sua mãe nunca o quis perto da família.
Ellen Barkin (que vocês conhecem como a Nana, de The New Normal), ficou com a responsabilidade de viver a versão televisiva da emblemática “Smurf”. A avó de Josh administra uma casa tomada de homens temperamentais, que têm como “profissões” o latrocínio, o sequestro e o tráfico. Ser “fora da lei” naquela família é tão natural quanto ir ao banheiro e é claro que numa rotina como essa, nenhum outro comportamento que não fosse o da conivência seria permitido. Josh não tem para onde ir e tampouco acredita que ficar seja sua melhor saída, algo que ele percebe já nos primeiros minutos, o que deixa sua perspectiva de futuro como membro da “quadrilha” dos Cody ainda mais assustadora.
Quem Sai aos Seus Não Degenera
A narrativa do episódio-piloto é praticamente a mesma do longa-metragem. Muda-se apenas o cenário, criando outra atmosfera. Sai a rústica Austrália e entra a Califórnia ensolarada dos Estados Unidos. Apesar de ter uma história que se conduz de forma muito semelhante a do longa, era preciso distanciar as obras, o que tornou a mudança de cenário ainda mais eficiente.
O clima alaranjado do verão norte-americano providenciou um elenco masculino sarado e bronzeado. Saiu de cena a melancolia e o tom “acinzentado”, o minimalismo tanto visual quanto textual do longa. Entrou uma paleta quente, uma certa urgência imagética e uma linguagem mais objetiva e estrategicamente comercial. Algumas cenas do filme até se repetem no piloto, mas considerando que o longa não pode virar um grande spoiler, é bem provável que as semelhanças terminem por aí.
A escolha de John Wells para a direção da premiere também foi bastante calculada. O showrunner, que é especialista em dramaticidade super-eloquente (vide ER e Third Watch, algumas de suas criações), tem na bagagem a adaptação da igualmente transgressora Shameless, uma comédia também focada na forma como o legado negativo de uma família pode impedi-la de viver em paz por gerações infinitas. Essa auto-referenciação que Wells faz em si mesmo esbarra em referências ainda maiores como The Sopranos e Sons of Anarchy, ambos sobre o crime dentro do seio familiar, que soterram todo e qualquer sinal de paz de espírito.
Vista por esse lado, Animal Kingdom não é uma série que pode ter muito de novo a oferecer. Porém, sua notável qualidade de produção salva-a de constrangimentos hipotéticos e a coloca no lugar de interesse de um setor específico da audiência: aquele que procura sexo, violência e imprevisibilidade. Sim, porque se a série decidir honrar o original, absolutamente tudo pode acontecer. Por isso, somente ao final dessa temporada é que poderemos descobrir se o “experimento forçado” que levou Josh a passar esse tempo com os parentes, poderá ser verdadeiramente comparado a uma “viagem” pelo complexo e metafórico “Reino Animal”.
* Animal Kingdom ainda não tem previsão de estreia no Brasil.