Séries e TV

Artigo

Além da Imaginação | 50 Anos do episódio final

Rod Serling e seu legado de ficção científica para a TV

19.06.2014, às 14H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 15H20

1959. Um dia antes da estreia de sua nova série de TV, o roteirista ganhador de três Emmys Rod Serling é o entrevistado da noite do programa de Mike Wallace, futuro apresentador do 60 Minutes. Em meio a questões sobre o início da carreira e a batalha contra as exigências dos patrocinadores e a censura, Wallace diz que a nova série vai ocupar Serling de tal forma que ele não terá tempo de escrever nada importante para a TV no futuro próximo. Certo?

Errado. Fruto do talento e do trabalho de Serling, mas também do produtor Buck Houghton e do diretor de fotografia George T. Clemens, Além da Imaginação (The Twilight Zone) se tornaria um dos maiores ícones da TV de todos os tempos antes de sair do ar em 19 de junho de 1964. Um dos títulos que a TV ainda tenta reviver e copiar.

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A série tem também uma dívida com a Desilu. Em 1958, o produtor Bert Granet, do estúdio de Lucille Ball e Desi Arnaz Jr., que produziu Star Trek, adquiriu os direitos de "The Time Element" para a série Westinghouse Desilu Playhouse. No roteiro escrito por Rod Serling, um homem relata a seu psiquiatra um sonho em que ele repetidamente acorda no dia 6 de dezembro de 1941, um dia antes do ataque japonês a Pearl Harbor, mas ninguém acredita em seus avisos sobre o que está para acontecer. A consulta é real mas, ao final da história, o médico vai a um bar, vê na parede um retrato do mesmo homem e descobre que ele morreu em Pearl Harbor, deixando no ar perguntas sobre realidade, tempo e a possível existência de dimensões paralelas. Exibido em 24 de novembro de 1958, "The Time Element" abriu caminho para que Serling desenvolvesse uma série nos mesmos moldes. Dois roteiros foram rejeitados, mas o terceiro, inspirado em uma matéria da revista Time sobre experiências com isolamento feitas com astronautas, foi aprovado para produção.

Filmado em nove dias nos estúdios da Universal, "Onde Estão Todos?" ("Where is Everybody?") custou US$ 75 mil, pouco para os dias de hoje em que um único episódio de Game of Thrones consome US$ 3 milhões, mas uma fortuna para meia hora de TV em 1959. Com elenco e cenários enxutos, a história de um homem desmemoriado que encontra uma cidade deserta e se desespera na busca por explicações foi bem sucedida em conseguir a aprovação da série. O piloto também estabeleceu a identidade de Além da Imaginação como uma antologia de histórias independentes que varia entre fantasia, terror e ficção científica, muitas vezes misturando elementos dos três gêneros além de drama e eventualmente comédia, com uma reviravolta no final que se tornaria a marca registrada da série. Faltava ao piloto apenas a narração de abertura de Rod Serling. Para a narração ainda feita em off, o escolhido foi Westbrook Van Voorhis, narrador de documentários como Crusade in the Pacific, mas o resultado foi considerado pomposo e condecendente. Rod Serling assumiu então o trabalho, dando à Além da Imaginação o toque final no formato que a tornaria famosa.

Mas seriam os roteiros que dariam à série seu maior trunfo, o posto de exceção em um país onde a ficção científica para TV caracteriza-se por temas como invasões e a luta contra um inimigo poderoso como um monstro ou um cientista megalomaníaco, muitas vezes derrotado apenas para voltar alguns episódios adiante. Em um gênero que em sua essência explora a mudança, novas realidades e cenários alterados, as histórias dedicam boa parte do tempo à volta ao estado inicial após um final feliz. Em Além da Imaginação, o mais feliz que um final pode ser é a oferta de uma oportunidade para ficar chocado e pensar nas possibilidades abertas pela história. O feito é geralmente creditado a Serling, mas inclui o trabalho de diversos outros roteiristas, em especial Richard Matheson e Charles Beaumont, frequentemente esquecidos diante do volume de histórias escritas pelo criador da série ou de uma lista que inclui um episódio escrito por Ray Bradbury ("Vovó Melhor que a Encomenda" / "I Sing the Body Electric").

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Robôs, alienígenas, foguetes, epidemias, viagem no tempo, criaturas - tudo e qualquer coisa poderia e seria usado nos 156 episódios da série. Desses, 92 foram escritos pelo próprio Rod Serling, que tirava inspiração de todo lugar. Um passeio por um estúdio vazio da MGM que lembrava sua cidade natal foi a origem de "Distância para Caminhar" ("Walking Distance"), uma das histórias que explorou o homem em crise e desesperado para escapar das demandas da vida diária, um dos temas recorrentes da série. No episódio, Martin Sloan (Gig Young, de O Dirigível Hindenburg) é esse homem à beira de um ataque de nervos que um dia larga o carro na estrada desgostoso apesar do visível sucesso na vida. Mas ao contrário do personagem de Michael Douglas em Um Dia de Fúria, Sloan não sai destruindo o mundo que o cerca. Ele encontra um caminho não apenas para a cidade onde nasceu, mas para a cidade no momento em que vivia nela, incluindo um encontro consigo mesmo quando criança, o que insere no enredo alusões a O Mágico de Oz e Alice no País das Maravilhas. Vários outros episódios exploram situações similares de estranhamento, homens que descobrem ser, na verdade, personagens de ficção ou que não fazem mais parte da realidade.

O rótulo de ficção científica também permitiu à série explorar temas proibidos pela censura da época e as exigências dos patrocinadores, como o temor de um ataque nuclear e os efeitos de uma grande guerra, cenário que como ex-combatente, Serling conhecia bem. Muito antes de futuros distópicos virarem moda na literatura adolescente, Além da Imaginação oferecia histórias como "Os Sobreviventes" ("Two"), em que dois soldados inimigos encontram-se em uma cidade devastada quando não há mais porque lutar. A história é tanto um aviso sobre as consequências do extremismo quanto um exercício narrativo que dá a Elizabeth Montgomery, que ficaria famosa como A Feiticeira, apenas uma palavra de diálogo em todo o episódio e pouco mais do que isso a Charles Bronson como o soldado cansado da batalha, uma ironia para quem tem o ator como símbolo do policial porrada de Desejo de Matar.

Outro tema explorado com frequência na série é o medo, seu poder de alterar o comportamento humano e o quanto estamos próximos da barbárie, reflexo não só da Guerra Fria como também das perseguições do Macartismo. Em "O Monstro da Rua Maple" ("The Monsters are Due on Maple Street"), o monólogo inicial avisa a um público que ainda vive o início do movimento dos Direitos Civis, que acabaria com a segregação racial em escolas, transportes e locais públicos existente em várias regiões dos Estados Unidos, que pensamentos, atitudes e preconceitos são armas, e que a busca por um bode expiatório não estava restrita à dimensão fantástica onde aconteciam as histórias da série. No episódio, escrito por Serling, uma pacata vizinhança de classe média transforma-se numa zona de conflito quando um garoto diz que alienígenas acabam de aterrissar e a desconfiança é alimentada por pequenos fatos como uma lâmpada que pisca ou um carro que não pega, tudo ao som da música composta por Bernard Herrmann, autor da trilha de Psicose e um dos grandes colaboradores da produção. O tema voltaria a ser visitado em "O Abrigo" ("The Shelter"), onde a notícia de um ataque nuclear transforma um grupo de vizinhos em um bando pronto a matar para garantir uma vaga no único abrigo antibombas da rua. Apesar do ataque não ocorrer, o final deixa claro que as ações durante os momentos de pânico não poderiam ser simplesmente esquecidas.

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Além da multiplicidade de temas, o formato de antologia também fez de Além da Imaginação um espaço disponível tanto a atores experientes como Burgess Meredith, que estrelou quatro episódios - entre eles "Tempo Suficiente" ("Time Enough at Last"), em que um homem que deseja mais do que tudo ter tempo para ler subitamente descobre ser o único sobrevivente de uma guerra atômica -, como também a iniciantes. Uma maratona pelos episódios revela a participação dos então novatos Robert Redford ("Nada no Escuro"), Leonard Nimoy ("O Valor da Piedade"), Burt Reynolds ("O Poeta"), Dennis Hopper ("Ele Está Vivo"), Bill Bixby ("O Túmulo Submerso") e, claro, William Shatner, não só como o único passageiro que vê um monstro na asa do avião em "Pesadelo nas Alturas" ("Nightmare at 20.000 Feet"), como também como o recém-casado convencido de que uma máquina de ler a sorte está realmente prevendo o futuro em "Na Hora H" ("Nick of Time"), para citar apenas alguns atores que têm a série no currículo. Caçadores de rostos conhecidos podem encontrar ainda o astro do cinema mudo Buster Keaton já idoso em "Era Uma Vez" ("Once Upon a Time") e James Best, o xerife Coltrane de Os Gatões anda jovem em "A Extrema Unção de Jeff Myrtlebank" ("The Last Rites of Jeff Myrtlebank").

Nem o formato, a qualidade dos roteiros ou o entusiasmo da crítica, no entanto, tornaram a produção de Além da Imaginação menos problemática. Com baixos números de audiência, a pressão para reduzir custos juntou-se à necessidade de manter a máquina funcionando. No início da terceira temporada, o trabalho de produzir, atuar como narrador e escrever a maior parte dos roteiros revelou-se capaz de esgotar até mesmo Rod Serling, que em uma entrevista para o jornal The New York Morning Telegraph deixou claro seu descontentamento com os resultados, sua falta de inspiração e um desejo de abandonar tudo - similar ao de vários dos personagens da série. O pedido foi atendido quando a falta de patrocinador para a quarta temporada tirou Além da Imaginação da TV. A renovação viria, mas com Serling trabalhando como professor no Antioch College e a produção acabando nas mãos de Herbert Hirschman. Serling continuou a escrever roteiros e a gravar os monólogos de abertura, mas não estava mais presente no trabalho diário de produção. Pouco tempo depois, Hirschman também deixou a série, que passou justamente para as mãos do homem que tornou possível a criação de Além da Imaginação, Bert Granet. O homem que tirou "The Time Element" da prateleira seguiu até também passar o posto para William Froug, que fechou a quinta a última temporada. Além da Imaginação voltaria às telas como série nos anos 1980 e novamente em 2002, além de um longa em 1983 marcado por um acidente de produção que matou o ator Vic Morrow e duas crianças que o acompanhavam em uma cena, e o título é presença constante na lista de projetos que parecem prontos para entrar em produção, mas não saem da pré-produção. O fato é que em todos falta o produtor e roteirista que fez da série sinônimo de qualidade mesmo em seus momentos menos brilhantes.

Fora da série que o tornou essencial na história da TV, Serling jamais deixou os temas que explorou nos episódios que escreveu. Foi seu o primeiro roteiro de O Planeta dos Macacos, adaptação do livro de Pierre Boule em que um grupo de astronautas cai em um planeta em que os humanos vivem como animais e que, numa reviravolta final típica de Além da Imaginação, mostra ser a Terra vitimada por uma catástrofe. Quatro anos depois, seria a vez da adaptação de The Man, livro de Irving Wallace em que uma série de incidentes coloca um negro pela primeira vez na Presidência dos Estados Unidos numa época em que isso ainda era sinal de que a história se passava em uma dimensão fora da realidade e desafiava as ideias estabelecidas da maioria do público.

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