Em temporada final, Hunters segue confusa, instável e perigosa

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Séries e TV

Crítica

Em temporada final, Hunters segue confusa, instável e perigosa

Temporada final da série se debate para conseguir trazer Hitler de volta sem provocar danos... Mas provoca.

Omelete
5 min de leitura
16.01.2023, às 10H10.

No final da temporada passada de Hunters (que parece ter acontecido mil anos atrás), o personagem de Al Pacino, Meyer, foi descoberto como a identidade por trás do “lobo”. O “lobo” era o pistoleiro solitário que andava assassinando nazistas idosos no ponto em que a história começa a ser contada. O mais intrigante dos detalhes era que o tal “lobo” que matava nazistas era, ele mesmo, um nazista... A coisa toda era extremamente problemática. Meyer era um “ex-nazista”, que não se importava com a ideologia, mas gostava do poder e matava outros nazistas. Só que, ao mesmo tempo, matava também quem suspeitava de sua identidade, ainda que essas suspeitas viessem de pessoas totalmente inocentes.

É possível entender qual o objetivo desse enredo, que é enganar o público para que ele “goste de quem ainda não sabe que é o vilão”; e mostrar um nazista bastante esperto, que faz cirurgias para parecer com um judeu e recruta um grupo de pessoas para fazer seu trabalho sujo. O problema é que Jonah (Logan Lerman) mata Meyer no final da primeira temporada e na hora de produzir a segunda, os roteiristas tiveram que pensar em formas de manter Al Pacino na trama. E é aí que Hunters é desmascarada: seu problema continua sendo imprimir no papel a ambição da própria ideia.

Mais adiante, quando o criador David Weil resolve revelar que Hitler (Udo Kier) está vivo e escondido na Argentina, esse problema é reforçado. Não só a série tem a grande ambição de manter em complexidade um nazista que vive como judeu, como também quer lidar com a bananosa de resolver como conduzir Hitler vivo por uma história que está sendo contada numa contemporaneidade que escancara, consecutivamente, a presença da ideologia abominável daquele homem na nossa sociedade. Será mesmo que “ressuscitar” Hitler não é dar voz ao perigo?

Falta de ousadia nunca foi o problema de Hunters; de fato, ela cometeu pecados justamente porque foi ousada demais. Sua primeira temporada queria misturar todo tipo de referência na mesma sacola e teimava com um senso de humor deslocado, que nunca estava corretamente alinhado com a seriedade da trama. Era confuso... Em determinados momentos ela queria ser sagaz como um episódio de Os Simpsons e logo depois queria virar um drama sobre a Segunda Guerra que poderia ser transmitido na HBO. A discrepância desses objetivos era grande demais para soar orgânica e quando terminamos aquele primeiro ano, conseguimos entender porque a série nunca chegou nem perto do engajamento que o Prime Video esperava.

As Caças

Precisamos dizer, contudo, que houve ponderamento a respeito do primeiro ano. Isso ficou claro pela ausência desse humor descontextualizado em grande parte dos episódios. Quando Hunters retorna, é tentando ser mais séria e mais explosiva, do que “espertinha” e “caricata”. A premissa, é claro, está toda girando em torno de Hitler, que precisa ser encontrado e levado à justiça. Para isso, o grupo de caçadores se reúne novamente sob o comando de Chava (Jennifer Jason Leigh), uma nova e boa personagem, que tem um passado com Jonah e todos os motivos do mundo para querer a cabeça de Adolf.

O que mais agrada nessa última leva de episódios é justamente a limpeza dessa premissa. Sabemos de cara o que os personagens querem e para onde eles vão. Sabemos que Hitler quer promover o Quarto Reich e que os caçadores vão tentar encontrá-lo a tempo de impedir a retomada de poder. De fato, não há grandes investimentos nas vidas de nenhum dos outros personagens, com exceção de Meyer, que consegue o privilégio pela única razão indiscutível da produção: ele é vivido por Al Pacino e Al Pacino precisa falar, precisa aparecer.

E ele fala... e muito. A solução para manter o personagem foi voltar ao tempo em que ele ainda estava vivo. Assim, por longas e desnecessárias sequências, vamos ouvindo os monólogos de Pacino em cenas que em nada ajudam a história, são deslocadas da caça, quebram o ritmo e fazem o pior: abrem espaço para que ele continue sendo “gostável”. Todas as motivações de Meyer já estavam claras e mostrá-lo recrutando o grupo não aprofundou nossas impressões sobre nenhum deles. A grande revelação feita sobre a morte da avó de Jonah poderia continuar sendo feita sem que esses flashbacks intrometidos precisassem existir.

A temporada, contudo, mantém certo equilíbrio e tem ótimas sequências de ação. Quando chegamos ao final, os resquícios daquele primeiro ano bagunçado retornam com força total e a quebra proposta pelo episódio 7 é tão grande que quase eclipsa totalmente os objetivos até bastante interessantes do roteiro. O tom é caricato, a dinâmica é jocosa, mas existe ali uma ideia promissora, que emula de forma inteligente a ideia já explorada de que alguns judeus foram salvos ou abrigados por quem estava do lado feio da guerra. É um episódio muito bem feito, mas totalmente deslocado da temporada, calculadamente situado antes do episódio final para retardar o espectador. Pode aumentar a expectativa para uns e frustrar outros.

Então, essa sensação de que Hunters são várias séries em uma, aumenta quando todo o episódio final se foca no julgamento de Hitler. Já é esquisito ver um Series Finale dedicado a um personagem que teve tão pouco tempo de tela, mas é ainda mais estranho que David Weil tenha achado adequado “salvar” Hitler do suicídio para lhe dar voz no banco dos réus. Em dado momento, o promotor diz ao advogado de defesa (sim, porque no mundo de Weil alguém iria mesmo defender Hitler, mesmo que baseado somente em princípios éticos) que Hitler não pode depor porque isso inspirará outros monstros a saírem das cavernas. E ele está certo.

Demorou muito para que a imprensa entendesse que era um erro divulgar os nomes e manifestos de atiradores em massa, porque isso os tornava ídolos da geração incel. Hunters, que queria mostrar nazistas pagando seus pecados, tomou a estranha decisão de remover Hitler de sua morte indigna no bunker para lhe dar a chance de dizer tudo aquilo que seus bizarros adoradores gostariam de ouvir. É certo que Weil achou que estava sendo duro com o final que planejou para Adolf, mas, na verdade, assim como a imprensa faz com atiradores agora, o nome de Hitler deve ser tratado com a burocracia de um livro de história. Ele não tem que ter palco... e nem texto.

Hunters chegou ao fim ainda transmitindo aquela sensação de que ela não sabia direito fazer o que queria tanto fazer; e o perigo desse tipo de inadequação é acabar fazendo bem o que não se queria. Pois bem... foi isso que aconteceu. Hunters se dividiu entre um nazista disfarçado que o público adorava e um nazista ressuscitado retratado com dignidade. Simplesmente não dá para chamar isso de sucesso... não dá.

Nota do Crítico
Regular
Hunters
Em andamento (2020- )
Hunters
Em andamento (2020- )

Criado por: David Weil

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
Oferecido por

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