Séries e TV

Entrevista

Letícia Colin aborda o tema da dependência química em série do Globoplay

Conversamos com autores e direção da nova série

06.09.2019, às 15H01.

George Moura e Sérgio Goldenberg criaram uma identidade visual e dramatúrgica na faixa das 23h da Globo. Autores de Amores Roubados, O Canto da Sereia, entre outros, os dois compartilham com o público uma visão estética forte que se correlaciona diretamente com histórias trágicas e viscerais. O anúncio da produção de Onde Está meu Coração insinuou uma relação com Onde Nascem os Fortes, sobretudo porque ambas as histórias falam sobre impulsos humanos. Os autores confirmam: “Estamos construindo o que denominamos de A Trilogia da Busca. Começa com Onde Nascem Os Fortes, chega em Onde Está Meu Coração e ainda vai para um novo ‘Onde’... São dramas adultos, que tratam de temas atuais”. Estamos diante, enfim, da primeira trilogia antológica da televisão brasileira.

Também são eles, os autores, que apresentam a história: “Na cidade de São Paulo, nos dias atuais, a minissérie Onde Está Meu Coração mostra o mergulho de Amanda, uma jovem e inteligente médica, de classe média alta, no mundo da dependência química. Entre confrontos e perdas, Amanda entra em contato com questões de família até então nunca tratadas de maneira clara. O mergulho vertical a faz tentar entender como e porque foi tão fundo no seu abismo. Com força de vontade, afeto, compaixão e o apoio da obstinada mãe Sofia e do marido Miguel, ela vai precisar se reinventar para voltar a ser quem sempre sonhou”. A série será uma produção original da Globoplay, mas assim como aconteceu com o outro “Onde”, ela deve ser exibida na TV aberta logo em seguida.

Personagens que sofrem de dependência química já são comuns na nossa teledramaturgia. A própria Rede Globo abordou bastante o tema, apresentando o problema em graus diferentes de investimento, desde a versão calculada de O Clone (que rendeu muito impacto social) até a versão mais crua de Verdades Secretas. Inserir as drogas como pauta emocional de uma trama sempre é sinal de engajamento, mas os autores afastam a ideia e reforçam o compromisso artístico da obra: “Não acreditamos em dramaturgia engajada e que levante bandeiras, mas achamos que a TV, seja no streaming ou mesmo na TV aberta, é uma oportunidade para tratar de determinados assuntos. Estatisticamente, os números mostram que, de cada 10 dependentes químicos, 1/3 se cura, outro terço não e o terço restante vive a vida entre abstinência e recaídas. Portanto, não há um único método 100% eficiente e seguro”.

Em O Clone foi Debora Falabella quem viveu a transformação promovida pelo vício. Em Verdades Secretas foi Grazi Massafera. Agora, Letícia Colin recebeu a tarefa de revelar pouco a pouco a forma como as drogas passam a consumir Amanda. O título Onde Está Meu Coração não possui uma interrogação, o que estanca a possibilidade de uma interpretação livre acerca dessa ideia de bifurcação entre o lugar de onde ela saiu e o lugar onde ela está agora. “No caminho de Amanda, não há uma bifurcação entre droga e profissão” – dizem os autores – “O que ela passa a viver é um desencontro consigo mesma que faz dela uma vítima de suas próprias escolhas”.

Onde Estão As Referências

Em se tratando de uma trama tão densa e com uma proposta de abordagem tão comprometida, era esperado que Onde Está Meu Coração fosse ter um trabalho de imersão muito completo. Os autores explicam esses processos: “Primeiro fomos buscar referências em pesquisas sobre dependência química, feitas no Brasil e no exterior. É um tema que está na agenda de qualquer governo, com publicações e trabalhos científicos muito sérios. Depois, partirmos para a nossa pesquisa de campo. Num primeiro momento, conversamos com dependentes químicos em clínicas psiquiátricas e em grupos do NA e do AA. Também conversamos com médicos e terapeutas. Estivemos em grandes hospitais de São Paulo, como a Santa Casa, o Santa Marcelina e outros, onde conversamos com médicos residentes para entender a rotina de uma recém-formada como a Amanda. Nós dois viemos do jornalismo e do documentário, então, para começar um trabalho, sempre vamos a campo ver, ouvir e testemunhar situações. É a realidade que nos alimenta e a ficção que nos fascina”.

Quem também tem muitas referências para alimentar essa trama é a diretora Luisa Lima, que na série faz seu primeiro voo solo e que já conhece bem o trabalho de Moura e Goldenberg: “O voo solo traz a oportunidade de escancarar o meu olhar e a construção do meu próprio discurso”, diz ela. "Sem dúvida, trago em mim tudo que fiz até hoje e toda a interlocução viva que tive por tantos anos com o José Luiz Villamarim. Nossa parceria tem uma sintonia artística muito grande. (...) Sou fruto da televisão e vivo nela todas as artes, a música, as artes plásticas e o cinema. Tudo para mim está em jogo”. Luisa demonstra uma extrema segurança na hora de falar de algumas de suas muitas referências: “Uma referência imediata foi o filme ‘Mommy’, de Xavier Dolan, pelo drama familiar e as limitações de cada um em conseguir ser o melhor para o outro”. Também são citados Terrence Malic, Claire Denis (diretores preciosos para ela), Ruben Östlund, Toni Erdman, Maren Ade... Assim, como o cinema que abordou algumas facetas do contemporâneo das grandes metrópoles, como Lost In Translation, da Sophia Copolla, Shame, de Steve McQueen, e Frances Ha, de Noah Baumbach.

Contudo, na hora de explicar sua proposta para a série a diretora fala muito de identidade e de busca pelo valor emocional da obra: “Era fundamental que a trajetória de Amanda na luta contra a dependência em crack fosse contada com uma ótica humanizada, sem estereótipos e nem julgamento. Tentei trazer os atores para um terreno interiorizado, onde o drama existencial de cada personagem fosse sentido bem como o drama das relações entre eles”. Para chegar a esses objetivos, uma série de preparações e encontros foram providenciados no intuito de fortalecer a pulsação do trabalho: “Teve um encontro que propus entre os atores, parte da equipe e profissionais da área de política de drogas, pessoal de consultório de rua, psiquiatras, assistentes sociais e ex-usuários de crack, que foi revelador e dilacerante. Também chamei 2 ex-dependentes de crack para depoimentos reais em cena. Foi uma lavada de alma, todos choramos muito e nos identificamos com eles, pessoas brilhantes, hoje com o vício controlado. Fomos também na casa de uma ex-dependente de crack, uma enfermeira, filha de médicos da classe média paulistana, e conversamos com ela e sua família”.

“Fazer uma série sobre o assunto é torcer para que ele deixe de ser um tabu. Afinal, todos nós conhecemos alguém na família ou fora dela, que, de alguma maneira, já viveu ou vive esse problema”, definem os autores a respeito de Onde Está meu Coração, que também, segundo eles, não precisa ser necessariamente uma obra definitivamente fechada: “Em princípio, a história se encerra no capítulo 10. Mas, não temos dúvidas de que a saga vivida por Amanda e toda a sua família tem fôlego para novos capítulos”. Ainda não há uma data de lançamento para a série, mas considerando o grande apelo de Onde Nascem os Fortes, esse novo capítulo da Trilogia da Busca – Onde Está meu Coração – tem tudo para marcar seu nome com força e vísceras na história da nossa teledramaturgia.

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