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When We Rise | Minissérie é a bíblia LGBT moderna - e todo mundo deveria assistir

Adaptação de livro de Cleve Jones é certeira ao encontrar a medida entre emocionar, entreter e informar

07.03.2017, às 18H54.
Atualizada em 16.03.2017, ÀS 15H02

Quando foi anunciado que Dustin Lance Black iria dirigir a adaptação de um livro de Cleve Jones, era óbvio que alguma coisa muito boa sairia disso. Para quem não está familiarizado com os nomes, Lance Black é o roteirista do excelente Milk - A Voz da Igualdade e Cleve Jones é um dos maiores ativistas LGBT vivos (sendo inclusive personagem no filme anteriormente citado, quando foi interpretado por Emile Hirsch). O resultado foi When We Rise, minissérie da ABC em oito partes exibidas entre os dias 27 de fevereiro e 3 de março nos EUA. Com personagens cativantes e histórias emocionantes de luta e superação, o projeto conseguiu condensar toda a trajetória do movimento LGBT sem soar como material meramente didático mas, pelo contrário, conferindo o máximo de humanidade à batalha por direitos civis que dura até hoje.

When We Rise começa sua narrativa em 1972 e termina em 2013, remontando o surgimento e a organização do movimento LGBT nos EUA até chegar ao modo como a sociedade entende o grupo hoje. Os seis atores principais dão vida ao ativista gay Cleve Jones (Austin P. McKenzie e Guy Pearce), à militante lésbica e feminista Roma Guy (Emily Skeggs e Mary-Louise Parker) e ao ativista gay e negro Ken Jones (Jonathan Majors e Michael K. Williams) nas fases jovens e já mais velhos. Além deles, outros militantes incríveis são retratados na série, como a transexual Cecilia Chung, vivida por Ivory Aquino; Pat Norman, papel de ninguém menos que Whoopi Goldberg; o ativista da AIDS Bobbi Campbell, representado pelo ex-Glee Kevin McHale; e Chade Griffin, vivido por T.R. Knight.

O que acaba fazendo a série ser um registro tão fundamental é a história além dos indivíduos. Apesar de ter personagens baseados em seres humanos notáveis, o grande protagonista de Whe We Rise é uma causa. Tal qual um organismo vivo, é possível ver seu nascimento em um cenário conturbado, sua adolescência furiosa, seus períodos de crise onde parece que tudo está perdido, seu amadurecimento e, principalmente, sua necessidade incontestável de continuar existindo.

A série tem cenas que, de forma absolutamente clara, explicam como a sociedade reage à diferença. Em um dos seus episódios mais emocionantes, a personagem Roma Guy é levada para ver, redundâncias à parte, com seus próprios olhos o estado dos gays sofrendo com a epidemia de AIDS em um hospital. Só depois de presenciar a escala do sofrimento humano causado pela negligência do Estado que a ativista resolve se movimentar para tentar fazer alguma coisa. Mais do simplesmente querer ajudar, o status de inadmissível da situação faz com que ela sinta ter a obrigação de fazer algo. E é esse poder que a série tem: apesar de muitas das histórias ali serem conhecidas no meio LGBT, a adaptação televisiva tira essas narrativas do obscurantismo ao qual os relatos LGBT foram e continuam sendo relegados. A série faz com que pessoas de fora dessa bolha vejam, sintam e entendam as dores de uma comunidade inteira, gerando um dos mais nobres sentimentos que se pode ter na vida em sociedade: a empatia.

Para quem é LGBT e conhece um pouco da história do movimento, Whe We Rise é emocionante. A série é uma aula de referências, seja ao citar a rebelião de Stonewall, ao mostrar Bobbi Campbell usando sua icônica camisa com os dizeres “AIDS poster boy”, ao abordar a confecção da primeira bandeira LGBT ou ao mostrar o assassinato de Harvey Milk e o julgamento revoltante de Dan White. O que a série mostra é que, infelizmente, a cultura, as demandas e a luta LGBT acabam ficando restritos a esse grupo porque a sociedade heteronormativa historicamente os aprisiona em guetos - não é a toa que a série faz questão de apontar que a AIDS só passou a ser tratada como um problema de saúde pública quando mulheres casadas e heterossexuais começaram a receber o diagnóstico e bebês passaram a nascer com o vírus.

No mais, a história pincela de forma delicada situações comuns a muitos LGBTs. O personagem Jones lida com a patologização da homossexualidade dos anos 1970 e ouve do próprio pai que não teria problemas em aplicar técnicas como o eletrochoque no garoto se isso garantisse a sua “cura”. Um diálogo entre eles, aliás, diz muito sobre a heterossexualidade compulsória quando o pai diz ao jovem que “passou um ano inteiro acreditando ser gay quando era adolescente, mas passou”. Em outro momento, acompanhamos a jovem Roma esbarrando na experimentação de formas de organização afetiva que fogem do padrão da família-tradicional-monogâmica-heteronormativa para depois chegarmos na luta pelo casamento igualitário.

Mais do que entretenimento, When We Rise é um serviço precioso nos dias de hoje. Seja para as gerações LGBT mais novas conhecerem os nomes daqueles que lhes garantiram avanços no reconhecimento de sua cidadania, seja para heterossexuais entenderem os seus próprios privilégios e as privações que a comunidade LGBT passou até chegar nas demandas contemporâneas. When We Rise mostra que preconceito é fruto de desinformação e faz o mais importante: informa de um modo que, após assistir a série, é impossível menosprezar a luta contra homofobia.

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