Filmes

Entrevista

Omelete entrevista: David Lloyd, de V de Vingança

O ilustrador inglês falou sobre a adaptação da sua obra mais conhecida e novos trabalhos

09.08.2006, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H47

O DVD de V de Vingança

David Lloyd depois de uma
sessão de autógrafos


V de Vingança

Alan Moore na visão de David Lloyd

V segundo o potente
nanquim de David Lloyd


O novo trabalho

O ilustrador inglês David Lloyd, 56 anos, o co-autor de V de Vingança, conversou com o Omelete por telefone, para divulgar o DVD da adaptação de sua história em quadrinhos mais famosa. Diferente do escritor Alan Moore, que prefere renegar toda e qualquer adaptação para as telas de suas obras, Lloyd abraçou o filme dirigido por James McTeigue e produzido pelos Irmãos Wachowski e Joel Silver. Ele inclusive participou de várias entrevistas coletivas do filme ao lado do elenco e equipe criativa. Confira abaixo essa ótima conversa, verdadeira honra para a cozinha omelética.

Você já esteve no Brasil, certo?

Sim, já estive. Fui para Belo Horizonte [e diz o nome da cidade com uma pronúncia impecável] em um festival de quadrinhos e também passei uma tarde no Rio de Janeiro, que foi muito gostosa. Gostaria muito de voltar.

Creio que você e Frank Miller foram os primeiros quadrinhistas entrevistados pelo Omelete em relação a um longa-metragem. Como está sendo pra você essa experiência de falar com a imprensa sobre um filme?

Muito boa. Apesar de eu não ter participado do processo de produção do filme, eu tenho realizado diversas entrevistas sobre a adaptação e feito muita promoção. Isso é ótimo, já que tenho ficado em diversos bons hotéis. E estou muito feliz em fazer tudo isso, já que acredito que a versão da HQ para as telas ficou muito boa. Frank está numa situação completamente diferente, já que ele esteve no controle de Sin City e o co-dirigiu. Eu tenho uma certa inveja disso, mas tem sido muito interessante ver como Hollywood funciona e em conhecer tantas pessoas diferentes... James McTeague, Natalie Portman, Joel Silver, Larry & Andy... Como criador tem sido incrível conversar com eles.

Nem preciso perguntar se você gostou do filme de V de Vingança então?

Gostei! Foi uma adaptação muito boa. Eles tiveram que deixar de lado muita coisa do original e que mudar muita coisa porque é um livro enorme, mas eu acho que eles conseguiram manter o núcleo da história, seus personagens centrais e, principalmente, a filosofia e o espírito da obra. Eu acho que ficou realmente muito boa, especialmente se pensarmos na dificuldade em fazer esse filme e torná-lo palatável para um grande público.

Em nenhum momento você foi procurado pela produção antes do filme ficar pronto?

Na verdade, me mandaram um roteiro pra ler logo no comecinho. Eu sugeri algumas mudanças, algumas foram aceitas. Mas eu nem fui muito necessário, já que eles sempre tiveram a intenção de reproduzir fielmente minha obra e para isso a HQ bastava.

Você poderia comentar essas sugestões?

Ah, claro! Foi bem no começo. Uma deles foi na cena no início em que Evey sai à noite com medo do toque de recolher. No original, a cena era toda silenciosa. Minha sugestão foi que os alto-falantes emitissem um alerta quando a hora chegasse. Assim também teríamos uma desculpa para mostrá-los para o público antes da cena com o V no telhado e seu concerto. Foi uma sugestão simples, mas que aumentou bastante a dramaticidade.

Nem o desenhista de produção entrou em contato com você? O trabalho dele é bastante fiel ao seu.

Não foi necessário. A única vez que encontrei Owen Paterson foi num jantar em Berlim e ele me falou sobre essa idéia de retratar tudo fielmente. Assim, bastou entregar a todas as pessoas do elenco e da equipe uma cópia de V de Vingança. O filme foi criado por fãs do original. Joel Silver comprou os direitos há 20 anos e Larry & Andy queriam fazê-lo antes mesmo de filmar The Matrix. Então, o que tivemos aqui foi uma situação em que pessoas que amam o original queriam fazer o melhor possível com o material. Essa é a chave do sucesso do filme.

Dá pra notar isso nas telas, esse amor pela HQ.

Concordo plenamente!

V de Vingança é, de certa forma, um produto de seu tempo. Mas ele não envelheceu com o passar dos anos. Isso te dá medo? Quer dizer, as coisas não mudaram muito de 1980 pra cá no mundo...

Ahahahaha, novamente, concordo com você. Dá medo. Mas isso é porque sempre temos alguma forma de ditadura em vigor. Olha só as coisas que estão acontecendo... V foi baseado por nós na Alemanha nazista - ela foi o modelo para a história - e jogamos ali a política ultraconservadora de Margareth Thatcher, que na época da criação da HQ era quase fascista em alguns pontos. Ou seja, tínhamos a nossa própria ditadora. O mais triste sobre o mundo é que sempre há algo assim em andamento. Alemanha nazista, Cambodja, Bósnia... não tem fim. Isso me entristece, mas é como o mundo caminha então talvez seja por conta disso que esse envelhecimento de V de Vingança não tenha acontecido e continue tão bem-sucedido. Sempre existirá a necessidade de alguém que chegue e mude as coisas. Heróis - ou anti-heróis - como V são um sucesso eterno pois fazem as coisas que a sociedade não quer fazer, ou não pode fazer, porque é fraca demais, corruptível demais. Então ficamos dependendo dessa fantasia já que somos fracos e sempre votamos nas pessoas erradas. Foi assim na Alemanha nazista com Hitler, por exemplo. Se ele não tivesse o apoio das pessoas jamais teria conseguido fazer as coisas terríveis que fez. Ou seja, a culpa é nossa. Temos que parar de votar nos poderosos e corruptos, gente que segue sempre pelo caminho errado. É por isso que V nos fascina. Ele é um cara que tem que limpar a sujeira que nós mesmos fizemos.

Alguma vez você imaginou que essa contundente história poderia virar um filme?

Sim, nunca tive medo que ela acontecesse. Quando eu e Alan estávamos no começo do trabalho já tentávamos vendê-la como um filme ou como um programa de TV. Isso lá na Inglaterra ainda, antes mesmo dela chegar aos Estados Unidos. Sempre quisemos vê-la em outra mídia. Quando vendemos V de Vingança para a DC Comics, vendemos também os direitos de adaptação. Então sempre esperamos vê-la um dia na telona. Ao longo dos anos li muitos roteiros e Silver esteve sempre renovando os direitos da adaptação, então eu sabia que era uma questão de tempo. Hoje, estou muito contente que eles o fizeram e que tiveram a coragem de fazê-lo como o filme deveria ser feito. O resultado é muito forte politicamente.

Eu comentei exatamente isso na crítica do filme, que a Warner Bros. teve muita coragem em fazer o filme sem alterar os fortes pontos-de-vista da obra.

Partilho dessa opinião. É realmente algo bastante incomum essa coragem em expor esses pontos fortes, em comunicá-los, para milhares de pessoas. As idéias foram todas mantidas no filme e fico muito grato pela disseminação delas.

Deixando um pouco de lado o filme, você tem um novo trabalho sendo lançado pela Dark Horse Comics, certo? Uma HQ chamada Kickback.

Sim. É sobre um policial corrupto numa força policial corrupta que decide que é hora de mudar a maneira como ele vive sua vida. Faz tempo que quero contar essa história pois sou um grande fã de suspenses policiais, mas meu principal interesse aqui foi falar sobre um cara comum, enfrentando uma situação que ele não quer enfrentar e tendo que tomar uma atitude a esse respeito. É uma exploração sobre os elementos que levam alguém a se corromper. Tenho grande interesse nisso. É aquele mesmo princípio do qual conversávamos agora há pouco. Por que deixamos essas pessoas tomarem o controle? As pessoas acabam sempre fazendo o que o vizinho faz, indo com o rebanho... é difícil ter indivíduos que se levantem e façam o que deve ser feito. Esse cara em Kickbak, Joe Canelli, é um cara comum, um policial. Ele é corrupto, mas é um cara normal, é como nós. A única razão pela qual ele faz o que faz é porque todo mundo faz o mesmo - ele vai com a maré, algo que a sociedade sempre faz. Sempre pensamos não dá pra fazer nada a respeito, mas dá! Se nos mobilizarmos, se tomarmos partido das coisas, a sociedade poderia mudar tanto...

Acho que podemos deixar nossos leitores com essa idéia, até porque as eleições estão chegando no Brasil. Mas antes de terminarmos, gostaria que você desse algumas dicas para os jovens artistas que estão começando suas carreiras no Brasil. Você sabe, temos alguns grandes talentos por aqui nos quadrinhos.

É difícil, mas posso tentar. Nessa indústria, o mais importante é jamais ser complacente com sua situação e sempre buscar novas editoras, novas formas de escoar seu trabalho. Além disso, tente sempre cobrir a maior área possível com seu estilo. Fica mais fácil sobreviver se você não se apega apenas a um gênero narrativo ou estilo de ilustração. Mas ao mesmo tempo, refine sua própria personalidade. Desenvolva alguma técnica que seja apenas sua, porque é daí que você obterá o respeito dos editores. Enfim, saiba fazer de tudo, mas destaque-se por algo apenas seu. Se só você servir para um trabalho, ele será seu.

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