Hugo Weaving |
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Londres vivia um dia cinzento quando o Omelete sentou para conversar com Hugo Weaving. O notório Agente Smith - ou o sábio Elrond, como preferem alguns - é um sujeito tranqüilo, sem ares de estrela. Sua natureza australiana, chegada a um conforto, transparece na risada espontânea e nas roupas de algodão, tudo bem básico. De vez em quando, o olhar expressivo e a maneira com que levanta as sobrancelhas traz de volta o drag-marido de Priscilla, a Rainha do Deserto (1994). De certa maneira, dá pena pensar que o público não vai ver nada disso em sua nova encarnação, V. Em V de Vingança (2006), Weaving passa o tempo todo oculto sob uma máscara e um figurino que o distanciam completamente dos papéis que o tornaram um superstar aos olhos do público brasileiro - uma visão bem diferente da que ele se impõe. "Se tivesse que escolher, provavelmente eu ficaria com os filmes independentes australianos", diz sem cerimônias.
V é Hugo Weaving sob a máscara. Distante de Batmans e X-Mens, o personagem é um terrorista em tempos difíceis. Nada de superpoderes, apenas habilidade e astúcia. Algo que, pelo jeito, o próprio ator tem de sobra.
Como você se envolveu com o projeto de V de Vingança?
Hugo Weaving: James (Mcteigue, o diretor) me ligou perguntando se estaria interessado no papel e eu disse que sim, era só me dar um tempo para olhar o roteiro. E aí eu dei uma olhada no script, gostei e ele me perguntou quando é que eu poderia me juntar à equipe, em Berlim. Eu perguntei pra quando ele queria e ele me disse "o mais rápido possível", mas explicou que estavam com um intervalo durante as filmagens de uns cinco, seis dias. Então, foi o tempo de aprontar meu passaporte e seis dias depois estava em Berlim.
Quando cheguei lá, eu tive alguns dias para me preparar e já entrei nas filmagens. Tive de refilmar algumas cenas e refazer toda a voz. O personagem usa a máscara o tempo inteiro e não dá para gravar desse jeito, então sempre tinha que colocar a voz depois.
De onde você partiu para construir V?
Eu construí a voz de V pensando que ele é um personagem que gosta de usar as palavras, muito eloqüente e acho que também fala muito rápido. A máscara é fixa, não muda, e o tempo inteiro você olha para ela. Então, imaginei que seria melhor trabalhar com a voz.
Você conseguiu se adaptar rapidamente à máscara?
Precisei de alguns dias. Você transpira muito sob aquilo. Ela é feita de porcelana, bem pesada, mas bem confortável. É uma máscara linda.
Quando você está estudando artes, sempre vai ler algo sobre o uso de máscaras, o que elas significam, descobrir suas propriedades. E acho que não tive tempo de trabalhar na máscara como deveria e logo já tinha de tomar decisões. Então, só tivemos tempo de ver como ela funcionaria em cada cena e usar apenas o que daria certo na tela. Acho que foi isso que me interessou, o desafio de trabalhar com um rosto fixo e ao mesmo tempo expressar o personagem.
Como V fica coberto o tempo inteiro, você fez algum trabalho físico para se preparar para o filme?
Achei que inicialmente seria bom usar minhas mãos. Mas na verdade depende da cena e do que ela pede. Em algumas seqüências eu uso as mãos e em outras um movimento de corpo. Eu me guiei pelo que funcionava bem.
Você se juntou ao projeto com a saída do ator James Purefoy. Você chegou a conversar com ele sobre isso?
Ele só filmou a primeira cena, então isso me ajudou de alguma maneira. Ele me mandou uma carta maravilhosa me desejando boa sorte. Nós trabalhamos juntos algum tempo atrás [em Camas e corredores (Bedrooms and Hallways, de 1998)] e alguns amigos me avisaram que ele estava passando por uma fase difícil e essa foi a razão pela qual ele decidiu deixar o projeto.
E como você encarou ter que torturar Natalie Portman e ainda ser pago para isso?
Ahn (risos). Muito bom. Mas não cheguei a raspar a cabeça dela (sorrindo).
A parceria funcionou bem no filme?
Foi ótimo trabalhar com Natalie. Ela é uma grande atriz. A cena em que ela sobe para o telhado é a grande cena do filme. Quando ela aceita tudo o que aconteceu, a tortura, ter passado pelo interrogatório... Está livre.
Na graphic novel, V faz outros personagens. Foi assim também no filme?
Eu fiz também o personagem do interrogador, sem esconder o rosto, então não usei a máscara o tempo inteiro.
Você trabalhou bastante com os os irmãos Wachowski, que são os produtores do filme. Qual a diferença de trabalhar com eles e com o diretor James Mcteigue, que foi assistente deles em Matrix?
O roteiro é de Larry e Andy, que como você já mencionou são os produtores do filme. E eles têm um ótimo relacionamento com James. Acho que a diferença é que James não trabalha tanto com o ator, explicando o que a cena vai parecer, mas foca no que o personagem estará fazendo ou pensando. Larry e Andy tendem a trabalhar de uma maneira mais técnica. Eu gosto de trabalhar das duas maneiras, mas por razões diferentes. Eles têm um bom relacionamento, o que ajudou bastante o projeto. Eles têm uma linguagem comum, mas acho que James se preocupa bastante com os personagens.
E como você vai aparecer nos créditos do filme?
Ah... boa pergunta. Eu acho que V deveria aparecer nos créditos apenas como V. Porque no filme você não vai ver o meu rosto, então acho que seria mais interessante que ele aparecesse como V mesmo.
E você não se sente magoado porque a platéia não vai reconhecer seu trabalho?
Não, tudo bem. De vez em quando é bom ter uma folga...
Você usou a graphic novel de Alan Moore como seu guia mestre para o filme?
Na verdade, não. Eu li o roteiro e depois li a graphic novel original e ela me pareceu em vários pontos muito diferente do roteiro, então usei como material de base apenas. Estruturalmente os dois são bem diferentes. Eu vi muita gente da produção lendo a graphic novel, mas é diferente do que aconteceu com Senhor dos Anéis, em que todos tivemos de ler várias vezes o livro para ter claro o que cada personagem seria e seu papel dentro da história.
Você já fez trabalhos em produções independentes e também participou de blockbusters. Como você escolhe os filmes que vai fazer?
Muitas vezes você recebe um roteiro, acha que o filme é interessante, faz o seu melhor e o filme não é um sucesso. Mas você adorou o filme! E outras vezes o filme é um sucesso enorme. Eu já tive experiências maravilhosas em todos os sentidos. Eu não estaria trabalhando com Larry, Andy e James se não tivesse gostado da nossa experiência em Matrix, que foi um filme precursor em vários sentidos. Mas provavelmente, se tivesse a chance, escolheria trabalhar em uma produção pequena australiana e já fiz mais filmes desse tipo do que qualquer outra coisa. Acho que se fosse o caso, eu sempre acabaria escolhendo esses filmes. Mas nos blockbusters há mais dinheiro para produção e para a promoção e assim são as coisas. E, felizmente, muita gente que me viu em Matrix talvez tenha ido me ver em alguns desses filmes.
Você acha que o público vai achar que V tem semelhanças com o seu Agente Smith de Matrix?
Espero que não! O personagem é tratado de uma maneira atroz e volta como um anjo vingador. A ação se passa em um mundo diferente, sob um estado totalitário. Smith é um vilão e V é um herói. E o personagem se enxerga como alguém que está fazendo o bem para a sociedade e embora ele destrua coisas e mate pessoas, eu também o enxergo dessa maneira. Você não vê, ele é mais um ideal, que você enxerga na máscara.
Nós vivemos num mundo em que há muito medo, muitas coisas terríveis acontecem. E acho que tocar nesses pontos era a idéia original do filme.