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Boa-noite, Londres. São onze da noite e esta é a voz do Destino. O tempo continua bom, mas a temperatura deve cair durante a madrugada. Aconselho ao povo de Londres que evite a área próxima ao Parlamento, que estará sujeita a problemas de trânsito, mesmo durante a noite. Quanto às indagações sobre estranhas luzes e enormes monstros metálicos, não passam de propaganda terrorista...
... ou uma isca capaz de atrair 50 jornalistas da Europa e Estados Unidos para o que prometia ser uma noite excitante de filmagens junto ao Parlamento britânico. Pela primeira vez, o governo local autorizou filmagens na área de Westminster, junto ao Parlamento, Whitehall e outros prédios normalmente cercados por um esquema rígido de segurança - herança destes tempos pós-11 de setembro. Protegida pelo que aqui é chamado ring of steel, a área mais frequentada por Tony Blair e pela turma da Casa dos Comuns e da Casa dos Lordes deu um voto de boa-vontade aos produtores de V de Vingança. De olho no poder que o cinema tem sobre o imaginário popular, alguém entendeu que é melhor ver Londres nas telas do mundo inteiro do que amargar mais cenas de Nova York ou Paris. Ainda que seja uma Londres cinzenta e assustadora, como se vê na mais nova produção dos irmãos Wachowski.
Depois de duas horas e meia plantada num hotel, cercada por um bando de nerds e jornalistas que só queriam conversar sobre amigos em comum, finalmente veio o aviso para vestirmos os casacos e nos prepararmos para enfrentar a noite fria de Londres. Uma caminhada curta (para os padrões brasileiros, pois os ingleses mesmo teriam pegado um ônibus) e lá estamos nós na praça ao lado de Westminster. O Parlamento parecia ainda mais grandioso sob as luzes de imensos holofotes erguidos por guindastes dos dois lados da praça.
Antes que algum engraçadinho se aventure a cruzar o caminho das câmeras, a produção nos avisa que só podemos esticar o pescoço até a área delimitada pelo gramado da praça do Parlamento. Nada de calçada. Essa é apenas para os produtores bacanões e câmeras, todos devidamente paramentados com enormes crachás. Ah, e também para o homenzinho engraçado que grita com o produtor do outro lado, disposto a não ceder um milímetro. É Brian Haw, o homem que entrou para o Livro dos Recordes pelo mais longo protesto da história, com direito até a despacho da justiça britânica autorizando o sujeito a se plantar diante do Parlamento, sem que o Council de Westminster possa dizer um ah.
Depois de meia hora de bate-boca, o produtor parece ganhar o argumento com um "nós estamos do seu lado! O filme é contra a guerra, a favor da liberdade de expressão!" Brian não deixa ninguém desmontar sua barraca, ladeada por frases contra a guerra no Iraque, mas admite ficar na boa, enquanto as filmagens prosseguem.
O diretor? Está lá do outro lado, me dizem. Assim como dúzias de extras vestidos como o personagem de V, máscara, chapéu e capa. Concentrados em um prédio histórico, com direito a chazinho, sanduíche e sabe-se lá o que mais, eles chegam em fila e se postam do outro lado da praça, prontos a encarar os tanques e as tropas do Exército - sim, com E maiúsculo porque estamos falando das Forças Armadas britânicas. Eles emprestaram seu pessoal para a ação. Os soldados carregam armamento e se comunicam como os personagens dos videogames. Tudo muito surreal sob a luz dos holofotes...
Do lado de cá do gramado, a expectativa é de movimento. Mas tudo acontece tão devagar, sempre aos poucos, que não dá para imaginar a cena grandiosa em que deve se transformar a filmagem. Cadê a correria? E os efeitos especiais?
Tiritando de frio às duas e meia da matina eu sou obrigada a recolher acampamento depois de notar que a maioria dos jornalistas está indo embora. Nem um tirinho, minha gente? Nada. O exército de Vs caminha. Pára. Os soldados caminham. Param. Sinceramente, dá sono. Até os garotos curiosos que surgem no meio da noite para ver o que rola decidem ir embora depois de um tempo.
A produção tem até as quatro horas para filmar tudo e depois ir embora, que o dia promete em Londres. Para Brian How, vai ser o tempo de tirar um cochilo na barraca, satisfeito de ter dado um monte de entrevistas para lascar a boca no governo Blair. Esse sim seria o perfeito terrorista banido pelo sistema na Londres cinzenta, fria e violenta de V de Vingança.
