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Artigo

O Nevoeiro se revela opção despretensiosa de suspense tradicional e divertido

Série estreou nos EUA em 22 de junho

03.07.2017, às 19H30.
Atualizada em 03.07.2017, ÀS 23H00

O Nevoeiro estreou em 22 de junho com a promessa de ser mais uma produção a levar o terror psicológico de Stephen King para a televisão. Desde o começo dos anos 2000 que os canais norte-americanos abriram os olhos para o potencial da obra do escritor norte-americano - The Dead Zone, Haven, Under the Dome e, mais recentemente, 11.22.63 já foram adaptadas, por exemplo, e outras como Castle Rock e Mr. Mercedes estão vindo aí. Dessa vez, o canal Spike se encarregou da missão de colocar cor no conto sobre uma cidade pequena invadida por um nevoeiro que se revela uma ameaça mortal e sobrenatural. Como se lidar com o evento macabro não fosse problema suficiente, os personagens ainda precisam lidar com questões pessoais mal resolvidas entre eles - que vão desde um estupro até dificuldades familiares.

A primeira cena de O Nevoeiro diz muito sobre a atmosfera dos episódios iniciais. Nela, o espectador é apresentado à Bryan Hunt (Okezie Morro), um homem que acorda sem memória no meio de uma floresta ao lado de um cão, chamado Rufus, e só sabe o próprio nome em função da identificação militar em sua roupa - é lá que o tal nevoeiro que dá nome ao programa aparece pela primeira vez, em uma sequência embalada pelo mais clássico formato de suspense e terror. A cena traduz o clima que domina as demais cenas, com situações onde personagens simples são empurrados para situações angustiantes.

A nova produção não economiza nos clichês, começando pelos personagens de fácil assimilação e pelos contextos nos quais eles estão inseridos. Um militar sem memória que é rechaçado e tratado como louco ao tentar alertar um polícial abusivo e com propensão a ser violento sobre a ameaça sobrenatural, uma família absolutamente normal com problemas de relacionamento (que poderiam ser facilmente resolvidos, mas que precisarão de um evento inexplicável e mortal para se reconectarem), uma usuária de drogas desbocada e agressiva que, no fundo, sabemos ser uma pessoa no caminho errado são alguns dos personagens aos quais somos apresentados - sem contar a previsível relação antagônica entre o mocinho Kevin (Morgan Spector) e o claramente problemático Connor (Darren Pettie).

Além disso, é claro que, quando o nevoeiro obrigasse todo mundo a ficar isolado em locais seguros, personagens com conflitos previamente revelados estariam coincidentemente dividindo os mesmos espaços físicos. Desde o pai de uma jovem abusada sexualmente preso na delegacia junto ao pai do jovem acusado de ser o estuprador até a própria jovem e o rapaz ilhados dentro do mesmo shopping. No caso de O Nevoeiro, essa obviedade de fórmulas clássicas parece funcionar. A simplicidade de personagens montados em cima de estereótipos comuns de cidade pequena consegue criar protagonistas capazes de serem cativantes sem a exigência de mais profundidade ou de personalidades complexas. Além disso, é divertido ver o terror clássico sendo bem aplicado, sem ficar caricato demais e sem embarcar em uma tentativa frustrada de levar a si mesmo muito a sério.

O único contraponto é que o primeiro episódio soa um pouco atropelado: o desenrolar de como os personagens lidam com eventos como a morte de um conjuge de longa data ou a rapidez da compreensão do tal nevoeiro como algo bizarramente perigoso são exemplos de coisas que acabam parecendo plásticas demais - seria interessante ver sujeitos mais empenhados em demonstrar algum desespero e descontrole tanto em função de um evento que desafia a racionalidade quanto de seus desdobramentos fatais. 

Mas isso não acontece só em relação ao que orbita em torno do nevoeiro. Falta vigor na interpretação de parte do elenco ao lidar com questões fortes que a série se propõe a abordar, como o estupro de uma adolescente ou com a necessidade de lidar com uma pessoa viciada em drogas durante uma crise. A reação dos personagens a problemáticas envolvendo assuntos mais delicados é superficial demais a ponto de causar certo estranhamento no espectador que, em determinados momentos, esperava ver um furacão se formando e, no máximo, esbarra em uma brisa fraca. O maior momento de descontrole e de espontaneidade da série vem de uma discussão entre mãe e filha, quando vemos a personagem de Alyssa Sutherland, a professora Eve, deixando seus impulsos definirem suas ações em um embate com a filha, Alex, papel de Gus Birney. Dando uma colher de chá, é possível com isso seja um recurso narrativo da trama: apresentar personagens inicialmente contidos e tratar o nevoeiro como um catalisador para que eles revelem seus instintos primitivos e externalizem suas emoções. Mesmo assim, de início, poderia ter sido investido em um pouquinho mais de energia.

Apesar da simplicidade, a trama apresenta as pessoas da trama deixando espaço para reviravoltas praticamente em todos seus arcos - e isso gera uma sensação de curiosidade muito interessante e quase análoga à ideia do nevoeiro. Mesmo ótimos personagens como Adrian (Russell Posner), típico adolescente sufocado pelo conservadorismo provinciano de cidades pequenas, deixam uma pulga atrás da orelha quanto a suas intenções mais ocultas ou seu passado nebuloso. As cenas iniciais de O Nevoeiro deixam tanto as informações que constroem os personagens bem encaixadas quanto faz questão de manter as lacunas entre essas informações bem delimitadas, para que o espectador mais atento possa perceber que falta algo ali e que queira ver o próximo episódio para saber do que se trata esse espaço vazio.

A primeira temporada de O Nevoeiro terá 10 episódios e, ainda que não seja uma série excepcional, cumpre seu papel de colocar na televisão aquela sensação de medo condicionado característico da leitura de textos de Stephen King - ainda que, na série, isso aconteça muito em função da trilha sonora. Salvo pequenas ressalvas no desenrolar de determinados acontecimentos e em algumas atuações fracas, se a série mantiver a mesma atmosfera, será uma opção válida para quem busca um suspense leve, despretensioso, pontuado por terror divertido e ingênuo. O Nevoeiro é exibido nos EUA pelo canal Spike e o terceiro episódio vai ao a dia 6 de julho.

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